Conforme nos conta Ferreira de Andrade – “a água, elemento primordial na vida de um povo, nunca abundou em Lisboa. E a sua falta, se nas horas normais do dia era já a preocupação dominantes dos seus habitantes, constituía, nos momentos terríveis dos fogos, um mal ainda pior.”
Tal carência provocou verdadeiros desacatos exigindo mesmo a intervenção da Câmara Municipal, que depois interpunha o seu pedido junto da Rainha. Exemplo disso foi o caso em que a Câmara Municipal em carta dirigida à Rainha D. Maria II, em 1837, solicitava que o jorro de água que se desperdiçava, perto do Palácio da Ajuda e ainda por cima sendo de boa qualidade, fosse-se-lhe concedido, uma vez que com poucos recursos, conseguiria conduzi-la para o Chafariz da Bola. Tal foi favoravelmente acolhido pela Rainha e as obras começaram. No entanto, os trabalhos tiveram que ser interrompidos porque o Comandante do Regimento de Lanceiros tinha conseguido autorização para desviar, para o seu quartel, a água que por direito pertencia à Câmara. Tal política de favorecimento de privados, conventos e outras entidades foi seguida por D. Maria I, tendo diminuindo nesta altura a construção de grandes chafarizes.
Refere Joaquim Caetano que “Lisboa foi desde sempre uma cidade difícil de abastecer de águas de consumo. Já durante a ocupação romana, o provimento da urbe engrandecida teve que realizar-se através de uma longa canalização que, desembocando na zona das Portas de Santo André, tinha a sua origem distante nas fontes das Águas Livres, as mesmas que mais tarde haveriam de motivar os sonhos e projectos de várias gerações de lisboetas, até à sua utilização final no aqueduto do tempo de D. João V [aqueduto das Águas Livres]”.
O povo abastecia-se nos chafarizes e poços que escassos atraiam uma grande afluência de pessoas. Os mais abastados tinham os criados próprios para tratarem do abastecimento ou compravam a água aos conhecidos aguaceiros.
O Aqueduto das Águas Livres suavizou por algum tempo os problemas da cidade mas não conseguiu resistir ao aumento da população. Paralelamente outros pequenos caudais foram aproveitados dando origem a alguns chafarizes, que foi o caso do Chafariz da Memória.
Na consequência da formação das companhias das águas, nomeadamente da 2ª Companhia das Águas de Lisboa, a qual dará origem à EPAL, em 1867, que tem como preocupação trazer para a cidade a água das nascentes do Alviela, vê-se um decréscimo da construção de chafarizes monumentais, dando-se preferência a pequenas bicas, “que se espalharam pela cidade, sobretudo pelas zonas operárias” [CAETANO, p. 30], que bastava para resolver as necessidades daqueles que não tinham água doméstica ditando, assim, o fim da importância dos chafarizes e dos aguadeiros.
Segundo o estudo de José Sérgio Velloso d’Andrade sobre “Chafarizes, Bicas, Fontes e Poços Públicos de Lisboa, Belem, e Muitos Logares do Termo”, de 1851, a Ajuda tinha 24 chafarizes e 10 Bicas. No total eram 110 Tubos de correr água, 86 Companhias d’Aguadeiros, 86 Capatazes e Cabos, 2838 Aguadeiros e 29 ligeiros.
Bibliografia:
ANDRADE, Ferreira de, Lisboa e os Seus Serviços de Incêndios, 1º Volume, 1395-1868, Lisboa 1969
ANDRADE, José Sérgio Velloso d’, Memoria sobre Chafarizes, Bicas, Fontes e Poços Públicos de Lisboa, Belém, e muitos logares do termo, Lisboa, Imprensa Silviana
CAETANO, Joaquim de Oliveira, SILVA, José Cruz, Chafarizes de Lisboa, Lisboa, 1991